domingo, 4 de novembro de 2012

Todo poder às mulheres

Hoje o número de famílias brasileiras chefiadas por mulheres soma 35%, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2009. Além disso, elas representam 45% da população economicamente ativa. Entretanto, segundo dados do Ministério do Trabalho, mulheres com ensino superior completo ainda ganham 41,8% a menos que os homens e apenas 15% delas fazem parte da liderança corporativa, fator que tem levado cada vez mais mulheres a deixar a carreira na empresa e apostar no empreendedorismo.

Uma das grandes iniciativas mundiais para o avanço feminino no ambiente organizacional foi a criação da ONU Mulheres, que desde janeiro de 2011 tem estabelecido práticas nas empresas públicas e privadas que auxiliam executivas a atingir salários iguais aos dos homens e a conseguir avanços na capacitação profissional, além de oferecer às organizações incentivos à contratação e promoção de mulheres para cargos de diretoria.

Especial Mulheres: Como é a atuação da ONU Mulheres no mundo corporativo? Que medidas estão sendo adotadas para estabelecer condições paritárias de gênero no mundo corporativo

Júnia Puglia: A ONU Mulheres é uma entidade das Nações Unidas que promove a igualdade de gênero. Nossa presidente, Michelle Bachelet, tem como bandeira o empoderamento [autonomia] das mulheres, que almeja ampliar a participação delas no mercado de trabalho e melhorar as condições dessa participação. Nos anos 2000, Kofi Annan, então secretário- geral da ONU, lançou uma plataforma global de relacionamento com as empresas, o Pacto Global da ONU, que visava, entre outras coisas, proteger e garantir a dignidade do trabalho, a transparência na gestão, a lisura nas questões financeiras e a construção de uma economia global mais inclusiva. Em 2010, foi elaborada uma parceria com o Pacto Global, que gerou o programa Princípio de Empoderamento das Mulheres, cujo objetivo é criar parâmetros para empresas interessadas em estabelecer participações equitativas, bem como dialogar com o mundo corporativo, acompanhar as dificuldades, os gargalos e os problemas de ascensão de carreira. Atualmente, mulheres de diferentes classes sociais estão optando pelo empreendedorismo, pois percebem que em determinado momento não têm possibilidade de ascender na empresa ou continuam com salários abaixo do que deveriam receber.

Que alternativas o empreendedorismo oferece e as empresas deixam passar?

A rotina do empreendedor pode ser mais flexível e exigir menor demonstração de competência do que uma empresa demanda. Em termos de desenvolvimento econômico do país, o empreendedorismo tem um vasto alcance. E muitas mulheres optam por esse desenvolvimento pessoal em vez de procurar um cargo em empresa. Isso acontece porque muitas organizações criam dificuldades para o profissional que precisa conciliar vida corporativa e dedicação à vida familiar.

Por motivos culturais, às mulheres recai a tarefa de cuidar do bem-estar da família e das tarefas domésticas e, nesse sentido, o empreendedorismo oferece mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal, pois permite que ela escolha o tempo que permanecerá em casa — o que, por outro lado, pode resultar em trabalho "interminável", pois ela fica disponível a todo o conjunto de tarefas domésticas.

O que o empoderamento das mulheres e sua participação em todos os setores da vida econômica geram para o avanço do país?

As mulheres são 40% do mercado de trabalho, ou seja, um colosso de gente produzindo para o país. Individualmente, as protagonistas se beneficiam com sua participação no mundo do trabalho, com planos de carreira, perspectiva do futuro, autonomia e a capacidade de gerir a própria vida e de tomar decisões.

Segundo a revista inglesa The Economist, a ascensão feminina contribuiu mais para a economia global do que as novas tecnologias ou o crescimento da China. No Brasil, qual é a participação das mulheres na economia?

A contribuição das mulheres para a economia é fundamental, principalmente para o mercado doméstico, onde há uma participação relevante. O tempo e a dedicação oferecidos pelas mulheres no espaço doméstico tem um enorme valor, sem ele não há avanço no país. Entretanto, ainda é necessário aprimorar as oportunidades em uma série de profissões. Existe uma confluência internacional sobre o acerto dessa iniciativa.

O Banco Mundial e a ONU Mulheres, por exemplo, dialogam com grandes empresas como Coca-Cola, Avon e Walmart, pois elas são importantíssimas nesse avanço cultural. Assim, investimos na promoção de políticas institucionais que ampliem as possibilidades da mulher na carreira corporativa.
Um grande entrave desse processo, no entanto, é a forma como a imprensa e a sociedade reproduzem
a imagem das mulheres.

Que imagem é passada?

As pessoas ainda insistem que existe um estilo feminino de gestão, o que não existe. Mas não há diferença entre estilo feminino e masculino. O estilo feminino somente interessa para as empresas quando ele significa menos gastos e melhor aproveitamento para o negócio. Mulheres competentes são mulheres competentes e ponto. E homens competentes também podem ser sensíveis, por exemplo. Esses rótulos são bobagens que precisam ser superadas. É equivocado, porém muito comum, falar que as mulheres são menos ambiciosas, mais éticas e multitarefas. Assim como está superado o valor que era dado àquele executivo durão que vivia apenas para a empresa. No mundo de hoje, muitos homens querem mais tempo para si mesmos e para estar com a família. Precisamos sacudir as crenças corporativas, porque todo mundo vai ganhar com uma compreensão mais equilibrada da coisa. As mulheres tiveram anos de confinamento doméstico e por isso são associadas às funções domésticas, mas os homens estão muito mais preparados para atuar nesse ambiente atualmente. Todo mundo deveria poder escolher como vai se portar.

Quais foram os maiores avanços das profissionais no Brasil?

Já caminhamos bastante. Há 40 anos essa nossa conversa não aconteceria, pois as mulheres ainda não
estavam no mercado de trabalho. E as poucas que estavam preenchiam um espaço que não queriam.
Esse sonho de escolher como viver precisa avançar, tanto para homens quanto para mulheres, para que todos tenham liberdade de escolher as profissões mais diversas, seja na política, nas artes, no trabalho doméstico ou em cargos executivos. Temos avançado bastante e rapidamente. Mas mulheres com cargos de liderança ainda são muito poucas.

Como o programa Princípio de Empoderamento das Mulheres atua para ampliar a participação das mulheres no mercado?

Há uma percepção crescente do potencial das mulheres, pois cada vez mais existe uma compreensão de que ser mulher ou homem não coloca uma diferença sobre eficiência de produção. Existe um desequilíbrio entre expectativas e capacidade produtiva devido à atribuição cultural de que somente a mulher é responsável por questões como gravidez e maternidade. Nós tentamos convencer as empresas de que o tratamento desigual é injusto. A gravidez recai sobre a mulher, mas, com todas as suas nuances, é um tema da sociedade, pois trata da reprodução da espécie, e a continuação da humanidade não é uma tarefa apenas feminina. Uma grávida não custa caro para a sociedade, se você analisar que o custo da perpetuação da espécie deve ser compartilhado por todo mundo.
Você S/A

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